Por Reinaldo Azevedo
A revista dominical do Correio Braziliense fez neste domingo matéria especial sobre o 1968, o ano que não acaba nunca... de encher o nosso saco! Ah, sim, crianças: a minha paciência com isso é bem pequenininha. Até porque só pode se encantar com a essência daquele movimento — que ganhou forma mais aparentemente universal na França — quem não leu as Memórias, de Raymond Aron. Em trechos contundentes, ele narra a estupidez obscurantista daqueles “jovens revolucionários”. O salto tecnológico a que o mundo assistiu nos últimos 40 anos — especialmente do fim dos anos 70 para cá — têm relação direta com o espírito anti-68. Vale dizer: foi fruto da revolução econômica que os caudatários daquele libertarismo chamam de “neoliberal”. Ronald Reagan foi muito mais importante para a humanidade — e para a causa da liberdade —do que Jean-Paul Sartre e sua cara “de terreno baldio” (segundo o próprio em suas memórias precoces). Mas vá tentar dizer isso...
Adiante. Um dos entrevistados na reportagem especial foi Franklin Martins, ex-militante do MR-8 e um dos seqüestradores do embaixador americano Charles Burke Elbrick, trocado, em 1969, por 13 presos políticos. Num dado momento, afirma o agora ministro da Comunicação Social: “É melhor ser herdeiro de 68 do que de 64. Ter uma ditadura é muito pior do que ser herdeiro de um movimento que atingiu ou não resultados. O erro é querer reduzir 1968 a uma coisa só.”
Concordo ou desanco? Desanco, mas concordo com uma parte: “O erro é querer reduzir 1968 a uma coisa só”. Isso é verdade. Havia certamente aqueles que queriam o fim da ditadura e a democracia. Não é o caso de Franklin Martins. Membro do MR-8, grupo que aderiu ao terrorismo, ele estava entre aqueles — a exemplo de Dilma Rousseff e Carlos Minc — que lutavam para instituir uma ditadura no Brasil. Repito aqui o que escrevi no dia 29 de agosto do ano passado: “A democracia no Brasil não morreu em 1964 porque a direita deu um golpe. Morreu porque não havia quem a defendesse, de lado nenhum. Um governante responsável não teria promovido, ele próprio, a subversão, como fez João Goulart, incentivado pelos nacionalistas bocós e pelos bolcheviques tupiniquis, que imaginavam que ele pudesse ser o seu Kerensky. Não podia. Era ainda mais idiota.”
A fala de Franklin Martins remete à velha mitologia de que “a turma de 1968”, inclusive os que recorreram ao terrorismo, queriam um país democrático, daí ele considerar que é “melhor ser herdeiro de 68 do que de 64”. Depende! Membro que era do MR-8, Franklin, então, era um stalinista. Digamos que os “herdeiros de 64” carregassem 424 mortos nas costas. Os de 68 levam os 35 milhões de Stálin. Mas essa é uma conta macabra, né? Franklin poderia se orgulhar, então, de, em 1968, ter sido um democrata, enquanto o pessoal que fez 1964 optou pela ditadura. Foi?
Faz mais de um ano, instituí aqui um prêmio para quem localizasse um texto, um que fosse, dos grandes teóricos de esquerda ou das organizações esquerdistas brasileiras pré e pós-68 que defendesse a democracia. É evidente que nunca ninguém apresentou coisa nenhuma. E nem vai. Quem chegou mais perto, só no fim dos anos 70, foi o gramsciano Carlos Nelson Coutinho, segundo quem a democracia era uma questão fundamental para a construção do... socialismo!!! “Socialismo com democracia” é coisa mais complicada do que a quadratura do círculo. Será que apenas o Brasil operaria esse milagre? É... Só a gente teve Pelé...
Essa questão tem alguma relevância hoje em dia? Tem, sim. Segundo matéria há tempos publicada pelo Estadão e jamais desmentida, no marco zero do dossiê, está uma reunião da qual participaram os ex-“meiaoito” Franklin e Dilma Rousseff. Assim como eles acharam, no passado, que a conjuntura e a ideologia justificavam ações terroristas, acham, no presente, que sua suposta superioridade moral os autoriza a adotar procedimentos que enxovalham o estado de direito. Afinal, eles têm uma causa, não é?
E foi o mito da “resistência” que levou Dilma, em cujo gabinete se fez um dossiê que desmoraliza a democracia, a fazer o famoso discurso no Senado em resposta ao senador Agripino Maia. Afinal, esse pessoal acha preferível ser herdeiro intelectual de uma ditadura que matou muitos milhões a ser herdeiro de um outra que matou poucas centenas.
Para uma pessoa de caráter, basta uma única morte para que soem os sinos.
(*) Fonte: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2008/05/1964-1968-2008-e-uma-fala-de-franklin.html
COMENTÁRIO: Muito boa a matéria transcrita.
A revista dominical do Correio Braziliense fez neste domingo matéria especial sobre o 1968, o ano que não acaba nunca... de encher o nosso saco! Ah, sim, crianças: a minha paciência com isso é bem pequenininha. Até porque só pode se encantar com a essência daquele movimento — que ganhou forma mais aparentemente universal na França — quem não leu as Memórias, de Raymond Aron. Em trechos contundentes, ele narra a estupidez obscurantista daqueles “jovens revolucionários”. O salto tecnológico a que o mundo assistiu nos últimos 40 anos — especialmente do fim dos anos 70 para cá — têm relação direta com o espírito anti-68. Vale dizer: foi fruto da revolução econômica que os caudatários daquele libertarismo chamam de “neoliberal”. Ronald Reagan foi muito mais importante para a humanidade — e para a causa da liberdade —do que Jean-Paul Sartre e sua cara “de terreno baldio” (segundo o próprio em suas memórias precoces). Mas vá tentar dizer isso...
Adiante. Um dos entrevistados na reportagem especial foi Franklin Martins, ex-militante do MR-8 e um dos seqüestradores do embaixador americano Charles Burke Elbrick, trocado, em 1969, por 13 presos políticos. Num dado momento, afirma o agora ministro da Comunicação Social: “É melhor ser herdeiro de 68 do que de 64. Ter uma ditadura é muito pior do que ser herdeiro de um movimento que atingiu ou não resultados. O erro é querer reduzir 1968 a uma coisa só.”
Concordo ou desanco? Desanco, mas concordo com uma parte: “O erro é querer reduzir 1968 a uma coisa só”. Isso é verdade. Havia certamente aqueles que queriam o fim da ditadura e a democracia. Não é o caso de Franklin Martins. Membro do MR-8, grupo que aderiu ao terrorismo, ele estava entre aqueles — a exemplo de Dilma Rousseff e Carlos Minc — que lutavam para instituir uma ditadura no Brasil. Repito aqui o que escrevi no dia 29 de agosto do ano passado: “A democracia no Brasil não morreu em 1964 porque a direita deu um golpe. Morreu porque não havia quem a defendesse, de lado nenhum. Um governante responsável não teria promovido, ele próprio, a subversão, como fez João Goulart, incentivado pelos nacionalistas bocós e pelos bolcheviques tupiniquis, que imaginavam que ele pudesse ser o seu Kerensky. Não podia. Era ainda mais idiota.”
A fala de Franklin Martins remete à velha mitologia de que “a turma de 1968”, inclusive os que recorreram ao terrorismo, queriam um país democrático, daí ele considerar que é “melhor ser herdeiro de 68 do que de 64”. Depende! Membro que era do MR-8, Franklin, então, era um stalinista. Digamos que os “herdeiros de 64” carregassem 424 mortos nas costas. Os de 68 levam os 35 milhões de Stálin. Mas essa é uma conta macabra, né? Franklin poderia se orgulhar, então, de, em 1968, ter sido um democrata, enquanto o pessoal que fez 1964 optou pela ditadura. Foi?
Faz mais de um ano, instituí aqui um prêmio para quem localizasse um texto, um que fosse, dos grandes teóricos de esquerda ou das organizações esquerdistas brasileiras pré e pós-68 que defendesse a democracia. É evidente que nunca ninguém apresentou coisa nenhuma. E nem vai. Quem chegou mais perto, só no fim dos anos 70, foi o gramsciano Carlos Nelson Coutinho, segundo quem a democracia era uma questão fundamental para a construção do... socialismo!!! “Socialismo com democracia” é coisa mais complicada do que a quadratura do círculo. Será que apenas o Brasil operaria esse milagre? É... Só a gente teve Pelé...
Essa questão tem alguma relevância hoje em dia? Tem, sim. Segundo matéria há tempos publicada pelo Estadão e jamais desmentida, no marco zero do dossiê, está uma reunião da qual participaram os ex-“meiaoito” Franklin e Dilma Rousseff. Assim como eles acharam, no passado, que a conjuntura e a ideologia justificavam ações terroristas, acham, no presente, que sua suposta superioridade moral os autoriza a adotar procedimentos que enxovalham o estado de direito. Afinal, eles têm uma causa, não é?
E foi o mito da “resistência” que levou Dilma, em cujo gabinete se fez um dossiê que desmoraliza a democracia, a fazer o famoso discurso no Senado em resposta ao senador Agripino Maia. Afinal, esse pessoal acha preferível ser herdeiro intelectual de uma ditadura que matou muitos milhões a ser herdeiro de um outra que matou poucas centenas.
Para uma pessoa de caráter, basta uma única morte para que soem os sinos.
(*) Fonte: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2008/05/1964-1968-2008-e-uma-fala-de-franklin.html
COMENTÁRIO: Muito boa a matéria transcrita.